1 July 2022 5 min 1_7_2022_Digital_Textbooks

Um manual digital pode ser muito mais do que um PDF, mas para isso é preciso uma plataforma que ofereça um conjunto de ferramentas que permita, a quem produz os manuais, otimizar o seu conteúdo digital, enquanto oferece também aos alunos e professores uma ferramenta que os ajude a aprender ou ensinar, respetivamente, sem que para isso tenham de pagar um custo adicional. O sucesso da Khan Academy e o tamanho do mercado de explicações demonstram que os alunos sentem a necessidade de ter alguém que os ajude a perceber e a consolidar a matéria fora das aulas, como, por exemplo, explicações da matéria, ou problemas para resolver com as respectivas resoluções para, consequentemente, terem melhores notas. Para além disso, a Khan Academy tem ainda uma abordagem de gamificação em relação à aprendizagem que permite aos alunos manterem-se motivados. Porém, nem todos os conteúdos da Khan Academy estão em Português e, no conjunto das disciplinas que o currículo escolar português oferece, a Matemática é a que tem uma representação mais forte na plataforma, enquanto outras disciplinas, não existem ou têm pouco conteúdo. O Governo Português dá uma grande importância à transição digital no Plano de Recuperação e Resiliência, na componente Escola Digital, que tem 559 milhões de euros alocados, podemos encontrar referências a "concepção de MOOCs”, “projeto Manuais Digitais”, ou ainda “Disponibilizar recursos e conteúdos educativos digitais para a totalidade da matriz curricular”. Para o sucesso destes investimentos é imperativo que existam ou sejam criadas plataformas que ofereçam verdadeiros manuais digitais e recursos digitais de boa qualidade. Atualmente existem só ao nível do ensino secundário cerca de 30 editoras a publicar manuais, a grande maioria associadas a uma das duas plataformas existentes: Escola Virtual, Aula Digital - Leya. A experiência que tivemos ao usar as plataformas existentes demonstrou ser bastante frustrante, encontrámos funcionalidades que simplesmente não funcionavam, a organização dos conteúdos era muito confusa e difícil de navegar, e mesmo as partes mais interativas tinham imensas inconsistências na sua apresentação. Seja por PDF ou por uma plataforma digital existente, os manuais digitais que hoje são oferecidos, de forma alguma, aproveitam as capacidades que hoje o digital oferece, apenas se limitam a apresentar o conteúdo como se tratasse de um livro físico. Ler um livro em papel não é o equivalente a ler um livro no computador, como também não é equivalente a ler um livro num tablet ou num smartphone. Um verdadeiro livro digital deve tirar partido do dispositivo onde está a ser apresentado. Um aluno quando tem um livro físico pode sublinhar, riscar e marcar páginas, algo que num computador pode ser mais difícil ou impossível. Portanto não é estranho que um estudo (Woody et al., 2010) conclua que os alunos preferem um manual físico ao digital.

A nossa ideia é uma plataforma que tem como núcleo a disponibilização de manuais escolares digitais com licença Creative Commons, oferecendo ainda de forma complementar um conjunto grande de exercícios e experiências educativas mais interativas. Nós acreditamos que disponibilizar os manuais sob uma licença CC é uma peça fundamental para a plataforma, em primeiro lugar porque democratiza o acesso a conteúdos educativos, dando a oportunidade a quem tiver interesse em consultar e aprender, por exemplo, um aluno que vá fazer um exame de uma disciplina na qual não está inscrito. Em segundo lugar, permite que o conteúdo seja mais escrutinado e consequentemente corrigido e melhorado. Por último, tornaria mais fácil a adaptação do conteúdo aos novos currículos, através da reutilização de todo o conteúdo comum aos dois programas curriculares. Para nós o manual digital já não é um conjunto fixo de páginas A4 em PDF mas sim vídeos, textos, jogos educativos, imagens, ou animações, de diferentes matérias do currículo que os professores podem selecionar e complementar para que o manual digital seja um espelho daquilo que os alunos aprendem nas aulas. Como estamos num ambiente digital podemos ter uma plataforma que pode tomar decisões inteligentes, como selecionar exercícios de uma matéria onde o aluno demonstre mais dificuldades, manter os alunos motivados com funcionalidades de gamificação, permitir ao professor selecionar no manual apenas as matérias que vai lecionar, entre muitas outras coisas. O manual digital passa a ter como centro a tecnologia mais ubíqua que hoje existe, a Internet. Hoje a Internet permite-nos aceder a informação em qualquer dispositivo em qualquer lugar mesmo quando não estamos ligados. A Internet é o presente mas será certamente o futuro e por isso os manuais digitais devem acima de tudo estar presentes neste meio. Por isso, um manual digital deixa de ser um PDF mas passa a ser HTML, CSS, e Javascript e tudo o que as tecnologias web oferecem.

O nosso princípio base é: O conhecimento deve ser aberto a todos; e é a partir daqui que queremos construir o plano e modelo de negócio para a nossa plataforma. Para isso achamos que o melhor caminho é criar uma empresa sem fins lucrativos que irá ser financiada por três fontes: dinheiro público, através dos diferentes contratos públicos que o estado irá abrir nos próximas anos no âmbito da escola digital; doações de privados; e programas de patronato, onde fundações e empresas se podem comprometer em financiar-nos podendo assim aceder a benefícios fiscais por parte do estado. Para dar algum contexto do mercado e segundo as estatísticas mais recentes que conseguimos encontrar, em 2020 Portugal tinha 147 mil professores e 1.4 milhões de alunos e segundo a APEL o mercado dos livros escolares em 2004 valia cerca de 56 milhões de euros. O plano que temos pensado começa com a criação da plataforma pensada para o sistema educativo português num estilo parecido ao Khan Academy, mas com uma estrutura tendencialmente mais parecida aos manuais e com conteúdos para as várias disciplinas do currículo dos diferentes anos escolares. O foco inicial é ser mais uma plataforma de apoio aos estudantes e professores, que podem usar a mesma como complemento do seu manual físico. No caso dos estudantes, estes têm acesso a um grande conjunto de exercícios para praticar e conteúdos para os ajudarem a compreender a matéria. Os professores, por sua vez, têm um banco de exercícios que podemos usar para as aulas e para o qual podem contribuir e ainda vários conteúdos interativos que podem aproveitar para as aulas. Com o tempo e à medida que mais escolas forem adotando o manual digital e que os nossos conteúdos atinjam um nível de qualidade e completude aceitável podemos começar a trabalhar em tornar os nossos conteúdos em manuais oficiais. Para além disso, é possível pensar mais além e tentar fazer chegar esta plataforma a outros países. Como o modelo que aqui descrevemos tem a capacidade de se adaptar a diferentes tipos de modelos de ensino e facilmente chegar a qualquer lugar no planeta, então será mais fácil alargar a plataforma a mais alunos e professores sem ter de aumentar proporcionalmente os custos de desenvolvimento, usufruindo assim das propriedades das economias de escala. Consequentemente, o número de potenciais fontes de financiamento aumentaria também o que resultaria num financiamento ainda mais robusto.

A ideia foi submetida no concurso E.Awards@Técnico – Edição 2021/22, tendo apenas sido aceite como poster. Esta ainda encontra-se numa fase de ideação e por isso estou à procura de pessoas com quem discutir a mesma e, quem sabe, seguir para uma próxima fase. Acredito que um projeto como este pode impactar a educação de forma muito positiva tornando-a mais acessível, inclusiva, colaborativa e divertida. O modelo que proponho é no mínimo difícil de vender como viável sendo por isso fulcral encontrar parceiros que acreditem nesta visão e que percebam o impacto que as suas contribuições terão.

Qualquer coisa fica aqui o meu email: manuel.silva.goulao@tecnico.ulisboa.pt

Referencias

Woody, W. D., Daniel, D. B., & Baker, C. A. (2010). E-books or textbooks: Students prefer textbooks. Computers & Education, 55(3), 945–948. https://doi.org/https://doi.org/10.1016/j.compedu.2010.04.005